Rebentam as Águas - Parte I - O Alarme
Toca o alarme.
Para acordar ou dormir?
À força do Tempo, não sei mais porquê.
Pelo peso do fato, pelo fardo da cara lavada
e que acaba sempre, invariavelmente suja,
pela atrocidade pacífica de permanecer
no carrosse…
Rebentam as Águas - Parte I - O Alarme
Toca o alarme.
Para acordar ou dormir?
À força do Tempo, não sei mais porquê.
Pelo peso do fato, pelo fardo da cara lavada
e que acaba sempre, invariavelmente suja,
pela atrocidade pacífica de permanecer
no carrossel que sempre muda,
pelo elegante acto de me banhar nesta lama escura
de onde nascem todas as belas flores,
e as árvores, e o cheiro dos prados, da maresia,
e os certos bichos, e as vãs pessoas,
e as bocas que me lambem à alegria,
e os ouvidos em que minha voz ressoa
e os olhos que perscutam em ousadia
e os cânticos que me sopram de volta ao sono!
Toca o alarme.
Não sei mais porque toca o alarme.
Porque requer a força deste corpo este sinal?
Poderá o negro cofre, cujo engenho de corda
conta todo o tempo
(que não conta para o Tempo!)
ter contado o tempo todo que já não me resta?
Terá chegado o fim do tempo à minha porta,
qual visita inesperada mas sempre certa,
para devolver todo o tempo em que me perdi?
Eu!
Eu que ganhei tanto!
Eu que pude ter um vislumbre da Vida
que a tantos foge
e que tantos outros delapidam
em Renúncia!
Eu que ouvi, imerso no ruído,
o Chamamento de Mim mesmo!
Toca o alarme.
Exige-me.
Trespassa-me.
Detém-me.
Não sei mais porque toca o alarme;
Se para acordar ou dormir.
Urge que eu saiba o que Quero,
tanto quanto saiba o que Sou!
A Eternidade não se esqueceu de Mim!
Vigilante, através das frestas no cofre
sujo, denso, escuro,
a Eternidade ainda me reconhece.
Um sorriso nos seus abertos braços,
me convence.
Aceno-me adeus, por fim, mas não a deus;
pois para onde vou o Falso fica.
Já a sinto, em antecedência,
a firme investida de suas garras,
instando volver-me,
usando todos os truques
em máxima potência!
Usará a voracidade pelo amargo pó
com que molda todas as coisas doces.
Sinto já, mesmo antes de lhe tocar,
a vaidade da obra dos seus dedos;
Dançarão à minha volta as formas nuas
com que quererá reter-me, preso nas suas!
Formas suas que, prometerá,
serão todas minhas – só minhas! –
se lhe ceder!
Jamais me faltará, por sua viciosa palavra,
se me convencer,
o belo que há nos outros a me comprazer!
Entregar-me-á o poder
da morte, do jugo, da fúria
ante a injustiça dos demais sobre o meu ser!
Bastará à modorra me entregar
e com ela adormecer.
Toca o alarme. Por fim.
Toca o alarme por mim.
Toca o alarme:
É Tempo de,
por fim,
por mim,
pôr fim
ao sono;
e acordar.